Vivemos numa época em que muitos cristãos, mesmo bem intencionados, tomam decisões contrárias à vontade de Deus julgando fazer o bem. Dizer, por exemplo, que “não tem problema faltar à Missa” ou que “Deus entende que eu rezo do meu jeito” são frases que revelam uma deformação moral mais profunda: a substituição da obediência à Revelação por critérios subjetivos e afetivos.
Essa forma de desobediência é mais perigosa do que a rebelião consciente, porque é revestida de boa intenção. Trata-se do mesmo engano que seduziu Eva: “A serpente disse à mulher: 'Certamente não morrereis... vossos olhos se abrirão e sereis como Deus, conhecendo o bem e o mal’” (Gn 3,4-5). Aqui está a raiz da tentação moderna: querer decidir por si mesmo o que é bem ou mal, sem submeter-se à norma divina.
A Consciência Isolada da Verdade
O Catecismo da Igreja Católica ensina: “A consciência deve ser informada e o juízo moral esclarecido” (CIC, 1783). Uma consciência não formada na verdade objetiva — na Lei natural, na Escritura e na doutrina da Igreja — pode julgar erroneamente. E quando a pessoa confia apenas em seus próprios sentimentos ou opiniões, corre o risco de transformar sua subjetividade em ídolo.
O beato Cardeal Newman, notável teólogo do século XIX, advertia contra a confusão entre consciência e licença moral: “A consciência não é a invenção do homem para poder justificar-se, mas o eco da voz de Deus no íntimo da alma.”
“Deus Entende” – A Nova Heresia Pessoalista
A frase “Deus entende”, quando usada para justificar a quebra de um mandamento, é uma forma de heresia prática. O Deus que entende o nosso sofrimento é o mesmo que, por amor, nos chama à conversão e nos oferece os meios da graça. Ele nos compreende, mas não relativiza Sua Lei. Ele nos perdoa, mas não nos dá licença para transgredir.
A banalização do preceito dominical, por exemplo, não é algo secundário. “O domingo é o dia do Senhor, dia em que o fiel é obrigado a participar da Missa” (CIC, 2180). Quem, podendo ir à Missa, se omite por comodismo, comete pecado grave. E quem justifica isso em nome da “espiritualidade pessoal” está, ainda que inconscientemente, assumindo o lugar de Deus como legislador moral.
Obediência: A Porta da Liberdade
Santo Tomás de Aquino ensina que a obediência é a mais alta forma de sacrifício, pois consiste em submeter não apenas as ações, mas a própria vontade (cf. S.Th. II-II, q. 104). Ao obedecer, o cristão imita a Cristo, que “sendo obediente até a morte, e morte de cruz” (Fl 2,8), redimiu a humanidade inteira.
É por isso que o demônio, mestre da revolta, tenta os cristãos justamente neste ponto. Ele sabe que a obediência dócil à Igreja é o caminho seguro da salvação, e por isso semeia justificativas que mascaram a desobediência como “maturidade espiritual”, “autenticidade”, ou “liberdade de consciência”. Mas essas expressões, quando desvinculadas da verdade revelada, tornam-se meros slogans da apostasia silenciosa.
Discernir a Verdade no Amor à Lei
O verdadeiro discernimento não consiste em escolher o que “parece melhor” segundo o próprio critério, mas em conformar-se cada vez mais com a vontade objetiva de Deus. Como afirma o Salmo: “Vossa palavra é lâmpada para os meus pés e luz para o meu caminho” (Sl 118,105).
Assim, é urgente recuperar a obediência como virtude central da vida cristã. Como dizia São Luís Maria Grignion de Montfort: “A obediência é o caminho real da santidade; fora dela, todo caminho é ilusório.”
A obediência verdadeira nasce da humildade que reconhece a soberania de Deus e a autoridade da Igreja. Substituí-la por decisões “de consciência” não iluminadas pela fé e pela doutrina é cair no mesmo engano da serpente: fazer-se deus de si mesmo. Por isso, educar a consciência e amar a lei de Deus são as duas condições para uma liberdade autêntica. Fora disso, reina o caos do relativismo, onde até a desobediência se veste de virtude.