O IV Domingo da Páscoa — tradicionalmente chamado Domingo do Bom Pastor — apresenta-nos um núcleo teológico que perpassa toda a história da salvação: o governo amoroso de Deus sobre seu povo, cuja imagem se realiza plenamente em Cristo, o Pastor que conhece, busca, alimenta e dá a vida por suas ovelhas. Não se trata apenas de uma metáfora bucólica, mas de uma expressão essencial da economia da salvação, pois governa, instrui e santifica o mesmo Cristo que morreu e ressuscitou.
Neste ano, a liturgia do Bom Pastor é celebrada poucos dias após um evento eclesial de altíssimo significado: a eleição de Sua Santidade Leão XIV ao Sólio Pontifício. Para a fé da Igreja, tal acontecimento não é meramente histórico ou jurídico, mas soteriologicamente relevante, pois inscreve-se no desígnio divino de conservar a Igreja una, santa, católica e apostólica. Aqui se manifesta, com notável evidência, a continuidade entre o Pastor eterno e os seus vigários temporais.
Santo Agostinho, em sua Exposição sobre o Evangelho de João (Tractatus in Ioannem, 46), comenta:
“Quando Pedro apascenta, é Cristo quem apascenta; pois Cristo entrega a Pedro o seu rebanho, não para que Pedro o tome, mas para que Cristo o apascente por meio de Pedro.”
É esta dinâmica que se renova com cada sucessão apostólica. A eleição do Romano Pontífice é, pois, um ato de Cristo, Cabeça invisível, que age por seu Corpo visível.
A função pastoral do Papa: uma missão sobrenatural, não sociológica
À luz da revelação, o múnus do Sucessor de Pedro não pode ser compreendido adequadamente senão em chave sacramental e escatológica. Cristo instituiu Pedro como princípio visível da unidade da fé e da comunhão (cf. Lumen Gentium, 18, 22), e este ministério se perpetua na sucessão apostólica romana.
Santo Tomás de Aquino, ao comentar o Evangelho de João (c. 21, lect. 5), observa que, ao ordenar a Pedro que apascente suas ovelhas, Cristo não apenas o constitui chefe, mas o configura interiormente à Sua própria caridade pastoral:
“Praeficitur Petro quia superabundantius dilexit: plus enim caritatis habuit qui plus periculi pertulit.”
(Pedro é posto à frente porque mais amou: com efeito, possuiu maior caridade quem enfrentou maior perigo.)
Para Tomás, a autoridade pastoral de Pedro é consequência direta da caridade teologal, que o une ao amor pastoral de Cristo. Logo, o primado não é mero poder — potestas — mas expressão da excelência da caridade, em ordem à unidade e à verdade da fé.
A tradição dogmática o confirma solenemente no Concílio Vaticano I:
“O Romano Pontífice possui, por instituição divina, uma potestade ordinária, suprema, plena, imediata e universal sobre toda a Igreja” (Pastor Aeternus, DS 3064).
Tal formulação, longe de promover uma tirania espiritual, encontra sua justificação teológica no fato de que o Papa não é senhor da doutrina, mas seu servo e guardião, como reiterou Bento XVI no início de seu pontificado:
“O Papa não é um soberano absoluto, cuja vontade é lei, mas o garante da obediência à Palavra de Deus.” (Homilia, 24 de abril de 2005)
Portanto, a eleição de um novo Papa não é a entronização de um poder humano, mas o estabelecimento visível da mediação eclesial de Cristo na história.
A analogia materna: entre o cuidado pastoral e a maternidade da Igreja
Providencialmente, este domingo também coincide com o Dia das Mães, o que nos permite desenvolver uma analogia teológica de grande fecundidade. A maternidade cristã — física ou espiritual — é a expressão mais íntima do amor que gera, forma, corrige e protege. Ora, tal amor encontra seu arquétipo não apenas em Deus, mas também na missão da Igreja, que é Mãe.
O Magistério reconhece esse paralelo em diversos documentos. O Papa São João XXIII, na encíclica Mater et Magistra (1961), escreve:
“A Igreja é, por direito e por fato, Mãe e Mestra. Mãe, porque gera filhos na fé; Mestra, porque os educa para a verdade.”
A maternidade, assim entendida, não é simplesmente uma função biológica ou afetiva, mas uma participação no cuidado divino da alma humana.
Santo Agostinho, ao tratar dos pastores infiéis em sua célebre obra Sermones de pastoribus, admoesta com vigor aqueles que exercem o ministério sem imitar a caridade de Cristo:
“Amemus, non nos, sed eum: pascatur in nobis gregis Dei amor eius, non amor noster.”
(Amemos, não a nós mesmos, mas a Ele: seja alimentado em nós o rebanho de Deus pelo amor d’Ele, não pelo nosso.)
Tanto a maternidade quanto o pastoreio, quando autênticos, são formas de oblatividade e serviço. Nesse sentido, a figura do Papa deve ser compreendida, antes de tudo, em chave de esvaziamento de si e configuração a Cristo crucificado. O Papa é, como ensina a Tradição, Servus servorum Dei, não administrador de um império espiritual, mas pai e mãe na fé, pastor e servo, voz de Cristo e eco da Igreja.
Entre a obediência eclesial e a maturidade da fé
A nós, enquanto membros do Corpo de Cristo, é pedida uma tríplice atitude frente ao dom do Sumo Pontífice:
Obediência eclesial — não como servilismo, mas como adesão teologal à vontade de Cristo que governa Sua Igreja visivelmente.
Discernimento espiritual — que sabe distinguir entre o ofício e as contingências humanas, sem reduzir o Papa a ídolo nem a escândalo.
Docilidade formativa — que busca compreender o ministério petrino à luz da Revelação, da Tradição e da vida dos santos.
Que o novo Papa, Leão XIV, conduza a Igreja com sabedoria e fortaleza, refletindo na sua missão o coração do Bom Pastor. E que nós, instruídos na fé, não nos deixemos jamais envaidecer pelo saber, mas nos prostremos em adoração diante do mistério da Igreja, a Esposa do Cordeiro, Mãe e Mestra dos fiéis.
Ad maiorem Dei gloriam.






